sábado, 5 de dezembro de 2009

Voltei à Escola


Voltei à escola trinta e três anos depois; a mesma onde vi nascer Abril dos rubros cravos. Ainda me lembro das palavras titubeantes da professora:
- “Está a passar-se algo lá fora e os meninos não estão autorizados a sair”. Ficámos curiosos mas a julgar pela voz trémula da docente, algo importante se passara.

Naquele tempo, quase todos os jovens não faziam ideia que vivíamos numa ditadura, eu incluído; sabíamos apenas, porque os nossos pais nos alertavam, que não era aconselhável apanhar nada do chão que conte-se algo escrito porque as consequências poderiam ser desagradáveis. De nada valia perguntar-lhes porquê, não nos respondiam, e hoje, tenho absoluta certeza, nem mesmo eles, sabiam os verdadeiros motivos.

A “minha escola” estava mais velha que eu, sem pintura, ou sinal de inovação. Perguntei-me o que teria acontecido, a julgar pelo exiguo número de jovens que deambulavam pelos corredores cinzentos e frios configurando um cenário pobre e confrangedor.

Entrei em duas salas, porque o motivo que me trazia ali, era trocar algumas impressões com os jovens sobre questões relacionadas com as toxicodependências e o mesmo sentimento prevaleceu. As paredes estavam nuas e encardidas, os armários e carteiras ainda se lembravam de mim e quando assomei pela janela, vi que lá fora, o velho campo de futebol definhava a olhos vistos. Não havia linhas que o delimitassem e as ervas daninhas proliferavam denunciando a falta de uma mão conhecedora; o mais triste ainda, era escutar apenas o diálogo surdo das balizas em vez das disputas acaloradas pela posse da redondinha.

Subitamente afloraram-me à mente um turbilhão de ideias e um misto de raiva e de indignação tomou conta de mim. Lembrei-me dos novos estádios de futebol do Euro 2004 que continuam vazios e dos hospitais terceiro mundistas, cheios e obsoletos, que proliferam por este país. Lembrei-me também das mentes distorcidas e fantasistas que desde Abril libertador prometem apostar na educação e na saúde.

Foi triste ver morrer a “minha escola". É triste adiarmos Portugal.


Fernando Barnabé

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