quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A Bruxa


Dizia-se à boca cheia que era uma bruxa. A ruindade e os seus impulsos de vingança eram conhecidos em toda a aldeia. Ninguém que passasse à sua porta se sentia seguro, e muitos até diziam, que um arrepio lhes trespassava o corpo, quando ousavam dirigir o olhar para a janela de um segundo andar onde sabiam que passava as tardes.

Os feitos da dita bruxa eram motivo de conversa em todos os lares, principalmente quando as famílias se reuniam à lareira depois do jantar, e, até as crianças, apesar das descrições tenebrosas dos adultos, não arredavam pé, pagando mais tarde com a insónia.

Contava-se por toda a vila a história mais recente da sua crueldade. Um pescador corajoso e arrojado, resolvera colocar em frente à casa da bruxa uma parelha de cornos, isso mesmo, uma parelha de cornos, que, segundo ele, era mais do que suficiente para o proteger a si e à sua família de qualquer mau olhado ou maléfica magia. A bruxa não gostou e disse para que todos a ouvissem, que aquela acção iria merecer uma resposta breve e contundente.

Não se incomodou o pescador, certo que estava dos poderes do seu amuleto, nem a sua companheira, que ria das imprecações diárias da bruxa, que tardava em apresentar argumentos que esgrimissem com os afiados cornos que pareciam suster a sua malignidade.

Um plano diabólico no entanto, já há algum tempo estava em curso. Numa tarde quente de Agosto, a mulher do pescador deitava o seu filho de seis meses num berço alto de verga, e, verificando que este dormia, resolveu sair por breves momentos com dois peixes que acabara de amanhar. Eram apenas cem metros a distância que a separava da casa da mãe a quem os levava para a janta. Foram breves os momentos de conversa.

Regressada a casa dirigiu-se instintivamente ao quarto onde o bebé dormia, mas, para seu espanto, este não se encontrava no berço. Aflita procurou por todo o quarto, por debaixo da sua cama, em todas as gavetas da cómoda, mas todas as buscas resultaram infrutíferas.

O bebé não gatinhava, portanto só poderia ter sido levado, pensou. Foi à janela e lançou um grito lancinante que fez brado em toda a aldeia – “Levaram o meu menino…levaram o meu menino”. As gentes avolumaram-se perto da sua morada. – “Mas oh mulher já procuraste em toda a casa?”, - “Para quê se o menino nem sequer gatinha”. A bruxa veio à janela nada surpreendida com o enorme bulício, sorrindo maliciosa à medida que a mulher do pescador gritava desesperada.

-“Foi ela gritaram todos…foi ela que te levou o menino”. “Vamos acabar já aqui com este corvo negro” gritaram. A bruxa, temendo o pior, pediu à mulher do pescador que procurasse o filho na cozinha, jurando, não sem que o medo a assaltasse, que o menino vivia.

A mulher do pescador, com o coração apertado, correu apressada em direcção à cozinha; não o viu, mas um leve ruído vindo do alguidar onde tinha amanhado o peixe fez-lhe redobrar a atenção. Precipitou-se como louca para o recipiente onde o menino se debatia envolto em guelras e escamas, parecendo sufocar na água sangrenta e pútrida. Num ápice salvou-o das águas e depois de um banho reparador, deitou-o no berço alto de vime onde adormeceu em paz.

Da janela da bruxa não restou qualquer vidro, tamanha a ira dos populares que não se cansaram de lhe arremessar pedras. Acalmaram-se por fim, talvez julgando que o susto infligido, fora suficiente para lhe aquietar futuras iniciativas e o maligno espírito.

Na calada da noite, o “corvo negro” afastou-se sorrateiramente da aldeia apenas tendo como testemunha a Lua minguante que o espreitava do alto. Não mais foi visto no pequeno povoado.


Fernando Barnabé

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