quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Robin Hood


Lembro-me do tempo em que eu era Robin Hood, o meu grande herói de infância. Colado à televisão a preto e branco, a minha mente vagueava por entre bosques e castelos ao ver aquela figura mítica, rebelde e jovial, que roubava e desafiava os ricos para dar aos pobres. Fascinava-me o seu perfil libertador e carismático, a tal ponto, que no meu sótão, era ver um enorme arsenal de espadas, arcos e flechas, que distribuía pelos restantes pirralhos de rua, incansáveis companheiros de luta contra as injustiças que o malvado do Xerife de Nottingham infligia aos plebeus.

Organizávamos torneios medievais e brincávamos aos bons e aos maus num beco estreito que era mais do que isso, era floresta de Sherwood, era fortaleza, era tudo o que a nossa mente fantasista quisesse imaginar.

Morríamos e ressuscitávamos num ápice; entravamos pelas traseiras da mercearia do senhor Costa numa correria brutal e saímos pela entrada principal, conduzidos por cavalos imaginários, alheios às imprecações do dono que se assustava com aquelas súbitas “visitas”. Era uma festa o beco da minha infância, cenário de sonhos e do faz de conta, que interpretávamos como ninguém; Hollywood não poderia ombrear connosco na arte da representação, tamanho era o nosso virtuosismo.

Éramos vida e dávamos vida até que ouvíssemos o “toque” a recolher. À noite, muitas vezes, esperava-nos uma sova, mas esse era o preço a pagar pelas queixas do senhor Costa, para quem os “cavalos” lhe roubavam os fregueses.

Passaram quarenta anos. Num assomo saudosista visitei há dias o beco da minha infância. Estava deserto, morto. Não vi nem ouvi crianças. As janelas estavam fechadas ao mundo e os cavalos já não relinchavam ao entrar na mercearia do falecido senhor Costa, agora tansformada num estabelecimento de pneus.

Vi que circulavam carros em vez de corcéis...emocionei-me; tinha sido feliz naquele beco e agora nada restava desse passado. Ainda tentei apelar à minha fantasia ressuscitando à pressa o Robin Hood que existia (e ainda existe) em mim, mas uma buzina estridente e apressada, arrebatou-me o sonho.

Fernando Barnabé

2 comentários:

  1. Lembro-me da minha infância, passada com os amigos nas ruas, saltando nos campos, imitando o que se via na televisão (lembro-me da primeira vez que vimos o mundial de hóqueis em patins depois dos jogos iamos a correr para a rua, imitar aquele jogo, com paus e uma bola de papel), lembro-me dos gritos dos vizinhos, das suas queixas................
    Hoje olho para as ruas e vejo-as desertas, nao se ouvem os gritos, os risos, e os vizinhos que ralhavam sao aqueles que hoje se queixam das crianças já não correrem nem saltarem nos seus campos estragando as culturas..... Onde andam as crianças????? Na PS, No PC....... não os critico, mas digo: Ainda bem que a minha infância foi naquela altura, ainda bem que saltei, corri, chorei, gritei, sorri no meio dos campos e das ruas............

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  2. Assim como tu e o Rui, eu tambem sou do tempo em que ser criança, era ser criança. Era ser livre, desregrado, irresponsavel...Era jogar a bola e ao piao. Correr descalco nos campos, cortar os pes nos vidros de garrafas partidas, saltar regueiras, subir as arvores.
    Hoje exige-se demais dos putos. Por vezes penso que se nao fosse pai, hoje talvez optasse por o nao ser. Nestes moldes, interrogo-me se sera boa ideia colocar crianças no mundo. Sinto que a humanidade mudou as regras do jogo. Anda tudo ao contrario. Se privam os miudos de uma infancia normal, como esperam criar homens felizes? Dao calmantes aos miudos por serem agitados. A minha Mae preocupava-se e apalpava-me a testa para ver se eu estava febril, quando me via parado por muito tempo. Alegra-me saber que nao sou o unico a sentir saudades da vida. Da unica forma de viver que conheco.

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