sábado, 19 de dezembro de 2009

Gelava-me o silêncio


Não consigo abraçá-lo...penso que nunca irei conseguir. Não sinto vontade de o fazer, e, se o fizesse, violentava-me. Não trago guardadas na memória nem abraços nem ternura nem afecto...ele nunca os soube transmitir, nem tão pouco percebeu o quanto me faziam falta.

Lembro-me que ainda muito pequenina ia para casa dos vizinhos brincar com as meninas e meninos da minha idade e nem calcula como me sentia quando recebia um beijo ou um piropo do Sr. Zé o pai da minha melhor amiga, a Mafalda. Aquilo aquecia-me a alma sabe...depois, nem imagina quanto me custava o regresso a casa. Gelava-me o silêncio da minha mãe que tinha adoptado há anos uma postura de falso contentamento...gelava-me o peso das horas e dos dias, ao vê-la encarcerada naquele sorriso dissimulado e falso com cheiro a mágoa e desencanto. Só ele parecia não perceber que por detrás daquela máscara havia alguém que reprimia a sede de liberdade e a vontade imensa de sentir-se outra vez mulher. Como ela sofria meu Deus...

Era triste presenciar os diálogos monocórdicos em que ele tinha sempre razão; as desculpas pelos dias sucessivos em que nos deixava a sós desesperadas; era triste e sufocante ter que calar a minha voz pequenina quando desejava dizer-lhe que o odiava com todas as minhas forças e que morresse de vez.

É por isso que não me apetece dar-lhe um abraço compreende? Se o perdoei? Sim, penso que sim, não lhe guardo rancor...Sei que também ele não foi bafejado pela sorte, pela fortuna que é sentir calor humano à nossa volta... sentir que somos gostados...para mim, essa é a riqueza maior, e, quando não a temos em pequeninos, mais tarde, fazemos tantos disparates...Olhe bem para mim, o que lhe pareço?
Sabe...Sinto-me como se fosse um pássaro sem ninho, uma órfã, uma sem-abrigo,uma desajeitada nestas coisas dos afectos... quero sempre mais, como se eu própria fosse um saco roto,sem fundo, sempre em perda, sempre com medo da rejeição...

Quando vou experimentar essa sensação de segurança interior que nunca me foi dada conhecer? Quando me vou amar pelo que sou? Pelo que construi com a vontade e perseverança de uma sobrevivente que só precisa que a amem?

Eu sei, eu sei...li algures que onde existe o medo não pode haver amor...mas é insuportável ter que arcar com esta angústia que me persegue e com o peso desta máscara para o resto da minha vida como fez a minha mãe... Não quero mais hipotecar o tempo que me resta, quero sentir-me inteira, quero ser feliz...

Desculpe-me as lágrimas...não consigo segurá-las, não consigo...

Fernando Barnabé

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