domingo, 6 de dezembro de 2009

Se fosse mais nova...


Estou farta…mesmo farta Carência. Para te ser franca Maria da Míngua, se fosse mais nova, já aqui não estava...e olha que não ia p´ra muito longe...cada vez me sinto mais pequenina e triste neste país de faz de conta. Tenho, e que Deus me perdoou o que vou dizer...tenho vergonha de ser portuguesa. Ainda ontem estive a falar com a Maria Miséria, aquela que mora ali na Praça da Alegria, nem calculas como a filha se tem safado lá por Espanha. Ganha mais dinheiro a trabalhar nessas casas de hamburgas do que o Silvério dos computadores. Quem é esse Silvério? Oh mulher...então tu não te lembras do filho da Dolorosa, aquela que o marido teve muito mal o ano passado do coração. Ah! esse que esteve na Austrália, já me lembro mulher; esta cabeça está cada vez pior...é das apoquentações e dos malabarismos que tenho que fazer com a pensão do meu falecido...é uma tristeza, a gente quase que morre de fome.

Se não fosse lavar as escadas das donas nem sei como me aguentava…elas é que me vão dando algum se não nem pra comer chegava. Mas oh mulher, tu com setenta anos ainda lavas escadas? Oh filha, enquanto me aguentar e as forças chegarem que remédio e olha que não tenho andado muito bem aqui da máquina...qualquer dia...

Eu, é mais os bicos de papagaio mulher, às vezes até me custa levantar da cama. Mas olha lá…agora a falar a sério, tu se fosses nova ias mesmo daqui pra fora…tinhas coragem de largar tudo? Oh filha, queres maior coragem que esta… viver com 240 euros por mês? Lá isso é verdade mulher…E já pensaste nestes jovens que por aí andam com cursos superiores e tudo, sem emprego, a bater com a cabeça nas paredes. Olha o Rogério…o filho da Luísa da Lástima…que cabeça tinha aquele rapaz. Trabalhava e estudava à noite…o sacrifício que fez e vê bem onde está ele agora. Coitado, não resistiu…tanta luta, tanta luta e no fim acabou com a vida. Ele pensava demais Carência…digo-te uma coisa, quanto mais pensamos pior...eles é que se abotoam, querem lá saber de nós que trabalhámos uma vida inteira...olha, fico-me por aqui para não desatar a dizer asneiras e subirem-me os nervos à cabeça... ainda me dá uma coisa!

Mas se fosse nova não pensava duas vezes…punha-me daqui pra fora enquanto o diabo esfrega o olho. Isto nem dá gosto viver mulher…olha, nunca te disse isto, mas às vezes apetece-me fazer como o pobre do Rogerinho, que Deus lhe tenha em paz.

Oh mulher tu chega-te pra lá com esses pensamentos...ave agoirenta... Mas diz-me lá tu o que é que a gente anda pra aqui a fazer...pensa só um bocadinho; lutamos para sobreviver, nada temos que nos alegre os dias… quem é que quer saber de nós? Os maridos já cá não estão, os filhos também lutam com dificuldades...é o destino mulher, é o destino; nascemos pobres e pobres havemos de ir. Mas não te inquietes que matar não me mato. Enquanto puder indo fazer as minhas coisinhas, a lida da casa, ir à praça fazer uma compritas, a coisa vai indo, mas se fosse mais nova, ai se fosse mais nova! Ia aprender espanhol e ala que lá vou eu.


Fernando Barnabé

* Escrito quando os números do desemprego em Espanha não eram muito significativos.

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