sábado, 5 de dezembro de 2009

Nas urgências


Estava sentada ao meu lado no banco das urgências do hospital. Os olhos mostravam a febre que lhe consumia o corpo. Ardia a criatura!

Era uma senhora dos seus sessenta e cinco anos, de traços finos e amáveis, apesar das dores que a tolhiam. Percebi que sofria... muito... mas, a sua atitude face ao sofrimento, que chegou sem pedir licença, era de uma serenidade invejável.

A enfermeira deu-lhe um comprimido para baixar a febre e vinte minutos depois dizia-me com candura: - "Já me sinto melhor sabe, a quimioterapia por vezes prega-me destas partidas", revelando o parco cabelo escondido pela toca, sem qualquer constrangimento.

Tinha ultrapassado já aquela fase em que o sentimento de raiva dá lugar à resignação, à aceitação natural de que “somos seres para a morte”, e que a partida não é mais do que uma necessidade da alma, também ela sedenta por novas viagens.

Fitou-me e disse-me com um sorriso cândido: “Desculpe lá a minha curiosidade,e o jovem o que faz por cá? Está doente? Olhe que não parece. Que belas cores as suas...decerto já foi apanhar uns banhos de sol, se eu pudesse era o que fazia, já viu como estou branquinha? O meu pai, que Deus o tenha, também era assim...”

Não consegui articular palavra. Olhei-a nos olhos azuis agora descongestionados e pensei como seria bom, que com um simples toque de mão, pudesse operar um milagre. Um sentimento antigo de impotência e de frustração incontidas focalizou-se na garganta...abandonei a sala à pressa, antes que a minha heroína desse conta de que os homens também choram.

Fernando Barnabé

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