sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O beijo

Foi com um beijo amor que me perdi,
O teu e só o teu na minha boca.
Foi um beijo amor e só o teu,
Que acordou em mim a esperança morta.

E foi com beijos mil que nos amámos:
Clarões naquela noite tenebrosa,
E os céus cantaram hinos só para nós
E o Sol beijou a Lua caprichosa.

FB

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Coincidências significativas

Conhecemo-nos por amor à Psicologia. Era um excelente homem e professor, daqueles que não usava máscaras nem subterfúgios que disfarçassem eventuais falhas académicas ou de carácter. A sua simplicidade, a forma apaixonada como contava as histórias da sua vasta prática clínica, a dádiva e vontade em querer partilhar as suas riquíssimas experiências de vida faziam dele um professor querido por todos.

Naquela tarde, estava inquieto e apreensivo. Viu-me ao fundo do corredor e chamou-me com a voz nitidamente consternada. Confidenciou-me que consultara um astrólogo que previra para breve a sua morte - "mais dois meses de vida, é o que terá"; disseram-lhe; assim, sem qualquer espécie de pudor. Não estranhei que comigo desabafasse, afinal, havia já algum tempo que lhe manifestara o meu profundo interesse pelos aspectos que relacionavam a linguagem astrológica e a psicológica, interesse que afinal ambos partilhávamos. Fiquei, isso sim preocupado, com o seu estado de pânico e pela falta de ética do presumível astrólogo. Tentei acalmá-lo dizendo-lhe que eventualmente poderia passar por uma situação de crise, mas que a morte, essa, era de difícil previsão, e que, nenhum astrólogo sério, com respeito pelo bem estar físico e psicológico de um cliente poderia cometer a imprudência de a comunicar; pedi-lhe inclusivamente os seus dados de nascimento para que eu pudesse perceber que aspectos astrológicos por trânsito e progressão estariam a evoluir nos céus. Acalmou-se o homem.

No dia seguinte, na posse dos seus dados de nascimento, verifiquei, que os aspectos astrais mais significativos recaiam sobretudo sobre questões relacionadas com a sua saúde, mais precisamente com eventuais problemas a nível respiratório.

Comuniquei-lhe o resultado da minha análise e disse-lhe que poderia passar por um período de alguma vulnerabilidade pulmonar mas que não correria qualquer perigo de vida; aconselheio-o no entanto a deixar de fumar. Os seus olhos brilharam e nem o meu aviso o demoveu dos seus hábitos tabágicos, já que acendeu ali mesmo um cigarro, que "saboreou" até ao fim. Estava deveras mais calmo e confiante.

O Outono aproximava-se. Necessitei fazer uma pequena intervenção cirúrgica num hospital de Lisboa. Despedia-me do enfermeiro quando passou por mim deitado numa maca o "meu" professor. Notei que se encontrava febril e frágil, mas ainda foi dizendo: - Afinal você tinha razão, senti-me mal esta manhã, com dificuldades respiratórias e alguma febre, mas percebi que não podia ir dar aulas, vou ficar cá uns dias, diagnosticaram-me uma bronco pneumonia.

Desejei-lhe as melhoras e fiquei a pensar no propósito deste invulgar encontro. Por mais que tentasse perceber os motivos desta “coincidência significativa” era claro que o esforço se revelava inútil. Afinal, desígnios há, que só a seu tempo nos são revelados, ou não.

Fernando Barnabé

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Vampirismo emocional - significado


Todo o ser humano que procura no outro a energia psíquica e sexual necessária para alimentar um ego imaturo e fantasista. O seu “modus operandi” baseia-se na manipulação e na sedução.

São exímios em percepcionar fragilidades, servindo-se muitas vezes do dom da palavra, da omissão e da mentira para confundir a “presa”.
Ao vampiro move a conquista, mas, nem sempre a sua verdadeira motivação é do domínio consciente, e, em regra, não tem noção da sua estrutura psíquica perturbada.

A presa, por seu lado, sucumbe aos encantos do vampiro já que ele(a) é o espelho, numa primeira análise, de todos os seus anseios e expectativas. Mais tarde, uma inexplicável quebra energética invade a incauta presa e o sentimento de plenitude e de paixão inicialmente sentidos, dão lugar a uma inexplicável obsessão. É tal a intensidade das energias em jogo, que a presa pode até sucumbir a pensamentos recorrentes de perda, e, não raro, de tentativa de suicídio.

Este sofrimento, pode assemelhar-se à imagem de uma mosca que tenta desenvencilhar-se da mortal teia.

Aqueles que dela conseguem libertar-se jamais esquecerão a intensidade da experiência; invariavelmente, ela constituirá uma aprendizagem, que pode vir a transformar decisivamente a sua existência.


Fernando Barnabé

Os jovens e o álcool


Julgo importante deixar aqui algumas notas sobre o que temos vindo a observar em Portugal no que respeita ao consumo excessivo de álcool sobretudo nas camadas mais jovens da população e a sua associação com as relações sexuais não protegidas, incrementando assim os casos de infecção pelo VIH, mas também a violência.

Sabemos que os jovens são e sempre foram os alvos preferenciais das campanhas publicitárias, quer quando falamos da moda, quer quando se pretende apelar para outro tipo de consumos como por exemplo o álcool e o tabaco pela vulnerabilidade intrínseca a esta fase do desenvolvimento humano.

Centremo-nos nos chamados “shots” – tiros. São bebidas com um alto teor alcoólico, muitas vezes superior a 50%, extremamente apelativas pelo seu baixo custo e pelo estado de embriaguez que provoca num curto espaço de tempo - o consumo de dois ou 3 shots pode provocar de imediato alterações das funções superiores, como a memória, o pensamento abstracto, a criatividade, a percepção, a capacidade de raciocinar e resolver problemas.

Por outro lado devemos também alertar para a carga simbólica e ilusória que estas misturas altamente prejudiciais encerram, elas apelam para as dimensões mais primárias da natureza humana numa lógica focalizada no hedonismo, no prazer pelo prazer e na violência, não é de estranhar pois, o aumento de casos de VIH na população jovem em Portugal assim como em Espanha.

Vejamos algumas das suas denominações:

- B52
- Fodinhas
- Viagra
- Orgasmo
- Kalashnikov

Como podem constatar elas falam por si mesmas e dão origem até a competições cronometradas em que os consumidores ingerem bebidas alcoólicas até se apurar um vencedor (prática extremamente perigosa e que envolve sérios riscos para a saúde), os chamados “binge drinkers”.

É pois, cada vez maior, o número de solicitações das escolas do ensino secundário deste país, no sentido de levar a estes estabelecimentos, técnicos que informem e sensibilizem os jovens para a prevenção dos comportamentos de risco, incluindo claro está o consumo excessivo de álcool; isto, porque se tem a noção exacta que o fenómeno está a aumentar na população mais jovem, quer pelos comportamentos disruptivos que estes apresentam na escola quer pelo incumprimento das regras básicas do saber estar e ser, muitas vezes, mas nem sempre, consequência dos consumos.

É também frequente, ouvirmos da boca de altos responsáveis pela saúde em discursos inflamados, que, cada vez mais, devemos apostar na prevenção, como forma de obstarmos ao aumento de casos de alcoolismo precoce, da diminuição da taxa de sinistralidade associada ao consumo do álcool; no entanto, como interpretar o facto, dos sucessivos governos deste país não fazerem cumprir a lei da publicidade que proíbe os anúncios que relacionam as bebidas alcoólicas com o desporto ou com eventos musicais que movem multidões - (Liga Sagres, Super Bock, Super Rock, Carlsberg Cup)?

Como podemos educar os nossos jovens para uma verdadeira cidadania? Uma cidadania que não tenha em conta os imperativos economicistas?

Haja coerência!

Fernando Barnabé

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Psicólogos? Para quê?


Quantos de nós já pensaram recorrer a um psicólogo? E dos que pensaram, quantos o fizeram realmente? Quantos de nós pensam ainda que só recorrem aos psicólogos os doentes mentais? Quantos de nós deixam de investir na descoberta interior pela ameaça que ela pode constituir à rigidez das nossas estruturas, à anestesia que a rotina e os hábitos mecânicos do dia a dia provocam nas nossas mentes, deixando-as vazias de sentido e de significado?

São muitas as questões que poderíamos colocar ainda, mas posso garantir-lhes que todas elas já não fazem qualquer sentido na Europa desenvolvida e noutros continentes, onde a figura do psicólogo, cada vez mais se impõe, como um “instrumento” ao serviço de todos os que sentem a necessidade de questionar seriamente os seus padrões comportamentais, as suas emoções, as suas fragilidades e competências, a sua vida em geral.

A figura de um psicólogo não pode nem deve ser encarada à de um mago...Ele não possui artes mágicas, varinhas de condão, não resolve as problemáticas dos pacientes num simples estalar de dedos; contudo, hoje em dia, queremos obter fórmulas milagrosas, rápidas e eficientes.

Quem procura um psicólogo na esperança de um milagre, deve reflectir duas vezes...Não é possível reparar uma auto estima, anos e anos sedenta de alimento, numa simples consulta. Há um plano, um processo a desenvolver, um caminho que nos pode levar à descoberta da fonte que, pelas vicissitudes da vida secou e comprometeu o nosso desenvolvimento enquanto pessoas. Cabe ao psicólogo proceder à avaliação do “terreno por cultivar” e ajudar a regá-lo, para que floresça vivaz.

Neste encontro, estão duas pessoas; frente a frente, cada uma esperando da outra pistas, sinais, indícios de uma possibilidade; possibilidade necessária e imprescindível numa relação terapêutica – o estabelecimento da empatia - a compreensão do sofrimento do outro, sem juízos de valor, sem imputação de culpas e a devida aceitação e respeito pelo seu percurso existencial.

É pois, a singela aceitação da sua condição humana e da dor que lhe está subjacente que deve prevalecer nesta parceria;parceria porque o caminho da auto descoberta constrói-se numa relação dual, no trabalho que cada um, com o seu saber aporta à relação.

Assim, pouco a pouco, encontro após encontro, construindo e reconstruindo o filme da existência, vamos encontrando novos sentidos e novos significados, nem sempre num movimento progrediente, porque a consciencialização de falsas crenças, os fantasmas que se erguem face ao novo Eu a emergir não se interiorizam sem receios, sem dúvidas, sem a hesitação própria de quem, pela primeira vez, se aventura nos primeiros passos.

Há medida que ousamos despir a velha roupagem e comprovamos os benefícios da nova, crescemos em entendimento e humanidade, acedemos à parte e ao todo, ampliamos a nossa visão dos outros e do mundo, aceitamos a inevitabilidade do que não podemos mudar e descobrimos o poder da partilha e da dádiva.

Não nos esgotemos na experimentação da terapia A, B, X, Y, esperando sempre que a próxima será a que mais nos convém, a que melhor responderá às nossas angústias e anseios. Perguntam-me então – Como saberemos o que a nós se adapta sem experimentarmos? Não faz mal experimentar, mas é preciso CRER no que se experimenta. As várias formas de auto descoberta, baseadas em técnicas socialmente aceites e comprovadamente terapêuticas não são para ser usadas e deitadas fora como se de um acto consumista se tratasse. É preciso tão somente perceber os seus mecanismos, os métodos porque se regem e não descartá-los de imediato só porque o(a) terapeuta utiliza um perfume de gosto duvidoso e não tem a cor dos olhos da nossa preferência...

Na aventura do auto conhecimento o que importa mesmo é perceber o significado e o valor terapêutico da PALAVRA.

Fernando Barnabé

domingo, 24 de janeiro de 2010

À conversa com Neptuno



Encontrei-o de regresso à Terra vindo de uma expedição a Plutão. Não me reconheceu como um dos seus filhos, como tal tive que me apresentar...Português, cinquenta e dois anos de idade. Sorriu. - “Português”!? Disse com alguma surpresa. "Ah, os portugueses,eternos sonhadores visionários, notáveis exploradores dos meus inexpugnáveis domínios. Tendes poesia na alma e a saudade no coração peregrino. Que queres tu meu filho?" Disse, sem dissimular o tom amistoso e paternalista.

Acaso ouviu falar no quinto império? Perguntei.
“Conheço todos os meus filhos e a sua obra, os que na História ficaram e os outros”. “Os impérios”, disse, levantando o tom de voz...”Os impérios, edificam-se e mantêm-se com competências que não são de forma alguma virtudes minhas, e, por consequência, também a vós faltarão. No vosso lado sombra, sois instáveis e caprichosos, não tendes verdadeiramente uma opinião positiva de vós próprios, e, como tal, dependeis em demasia da opinião alheia. O que vos sobra em sonho falta-vos em capacidade de organização e de planeamento, este facto, já vos custou um império...império conquistado pelo frenesim visionário e explorador de que todos nos orgulhamos; acaso a racionalidade, o sentido das proporções e dos limites fossem também vosso atributo e hoje seríeis uma grande potência mundial...

“Quer dizer então que o quinto império não passa de uma miragem, de uma utopia, de um sonho irrealizável”. Perguntei.

“Meu filho, o passado, para quem dele bom uso faz, é um mestre. Com ele se aprende e rectificam padrões; como tal, não vejo razão para que não possais vir a construir um novo império. Ouso até pressagiar que o império de que o poeta fala, será uma grande conquista do espírito, da crença nos valores do humanismo e da solidariedade. Sereis um exemplo do fervor missionário e da sublime tarefa de aproximar os povos. É a minha outra face, a face da bondade, do perdão e do sacrifício por grandes causas. É por aí que navegarão as vossas naus...”

Despedi-me do senhor dos mares e questionei-me se o tal V Império a que Pessoa aludira fazia jus ao dom do clarividente Tritão.

Fernando Barnabé

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Carta

Não sei se algum dia os nossos passos se cruzarão novamente, mas é bom saber que estás viva e vendes saúde...só isso basta para trazer-me alegria ao coração.

Ainda me custa suportar a tua falta...Foi tudo tão rápido e inverosímil...Não sei ainda hoje o que te fez partir, se o cansaço de mim ou se a tua alma clamava por outras vivências, outros espaços, outras camas.

É raro o dia que não recordo o calor do teu corpo, a tua voz, o teu toque, os teus olhos, as tuas mãos...Entendo que há sempre um tempo para amar e outro tempo para atravessar os áridos desertos, mas sempre senti que ficaste comigo, ancorada ou dentro do meu peito.

Sei que ainda me amas, apesar da distância que nos separa...Dizem que o amor verdadeiro é aquele se vive à distância; talvez eu acredite nisso sim...Não se ama alguém apenas porque o corpo desperta em nós inflamadas sensações...

Sei que amarás outros corpos, sei que vibrarás com novas emoções e descobertas, sei que o prazer te inebriará os sentidos e te fará rodopiar na procura, na procura daquilo que fomos e que não se apagará jamais, mesmo quando os nossos corpos inertes e sem vida deixarem este plano.

Sei que só de mim te lembrarás quando a solidão te assaltar, quando os dias te parecerem infindáveis e sem brilho, quando o sol teimar em não entrar no teu quarto.

Como me poderás esquecer meu amor se fui eu que te o dei a descobrir...Lembras-te do nosso primeiro momento intimo? Lembras-te como guardaste na memória a música que nos embalava os corpos sedentos de infinito? É claro que te lembras, como poderíamos esquecer aquele hino à comunhão das almas...Baptizámo-la como a "nossa canção" e eu sei, que sempre que a ouvirmos, lembrar-nos-emos que o amor é tão só uma sublime melodia gravada na memória, um canto que despertou em nós o sentimento de bem querer, para além de todas as vicissitudes, para além de todos os desejos.

Sei meu amor, que viveremos eternamente juntos, como duas mãos em fervorosa prece!

Fernando Barnabé

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Quando te penso...

Quando te penso, tu és continente e oceano,
a minha Lua e o meu Sol, o meu pão e a minha água.

Quando te penso, nada me dói,
nem sequer a minha alma clama por sossego.

Quando te penso, tu és Primavera
mesmo na escuridão dos meus dias cinzentos.

Quando te penso, assalta-me a ideia de querer abraçar toda a gente
e gritar ao vento como é bom pensar-te.

Quando te penso, o meu coração não está só,
descansa em ti batendo a descompasso.

Quando te penso,a vida sabe-me a amoras silvestres
e é bom andar à chuva, descalço, como se fosse eternamente criança.

Fernando Barnabé

Pessoas com "p" grande

Que beleza transportam as pessoas com "p" grande!
Aquelas que dizem sem medo o que a sua alma sente;
Aquelas que sabem respeitar o outro;
Aquelas que dão sem nada esperar;
Aquelas que têm no lugar do coração um coração grande em misericórdia e temperança;
Aquelas que dia a dia procuram consciencializar-se das suas fragilidades e com mestria tentam transformá-las em competências;
Aquelas que vibram com a felicidade alheia;
Aquelas que compreendem o significado real de um sim ou de um não;
Aquelas que não necessitam da aprovação dos outros como referencial do seu próprio valor;
E o que dizer d’aquelas que oferecem sorrisos e consolo, apesar das suas próprias dores e se erguem todos os dias acreditando na justiça do cosmos?

Fernando Barnabé

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Escuta o coração!

O corpo sente e tem memória,
O espírito, esse, vagueia na procura
consciente que justifique a dor corpórea.
E eu lembro-me de tudo sabias?
Lembro-me de tudo quanto habitava o teu ventre prenhe
de medo e de ansiedade…
Eras jovem, muito jovem, precisavas de tempo para viver
Mas tinhas no ventre uma prisão e no coração a certeza que
Jamais serias liberdade…
Como ele batia meu Deus!
Lembro-me que não dormia enquanto o teu coração não adormecesse calmo e sincopado…Enquanto o teu marido não chegava entorpecido pelo vinho…
Dava dó sentir que naquela casa fazia frio e que as paredes do teu ventre
Choravam de dor…
Foi o coração que te atraiçoou, mulher sofrida…
Porque não o escutaste? Porque não o seguiste quando a paixão te ardia no peito, no corpo todo?
Foi-te fatal o erro... Hoje é tarde, irremediavelmente tarde...
Eu, do teu ventre nascido e com a experiência do teu coração, sei que jamais serei feliz se me deixar aprisionar pela racionalidade, pela rotina dos dias onde mora o desamor e a desesperança...
Deixem que eu solte as asas e vá aonde o meu coração me levar...

Fernando Barnabé

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

No reino de Neptuno


O céu estava azul, sem névoa, límpido como as águas que a cada minuto mais se aproximavam dos corpos deitados na areia sedentos de sol e sal.

Ouvia-se o falar das gaivotas que esbracejavam do alto surpreendidas por aquela mole imensa de gente inerte e pela imensidade de casas coloridas plantadas num ápice à medida que o tempo crescia nas horas.

Incontáveis corpos, qual colónia de aves migrantes, procuravam o melhor sítio para fazer o ninho. Uns, vinham sós, outros, traziam numerosas crias, que, mal chegavam, lançavam-se em alegre correria na direcção das águas quentes que as acolhiam serenas na urgência da pressa.

Um burburinho imenso soltava-se das bocas das crianças que, com criativo labor, construíam castelos inexpugnáveis desafiando o “infiel inimigo” que se aproximava célere brandindo o seu respeitável tridente.

O sol queimava e a colónia pareceu levantar-se em uníssono como se qualquer mecanismo avisador lhes despertasse da aconchegante letargia. Uns a passo, outros correndo, abrigavam-se nas águas, para logo em seguida, ora chapinhando, ora em mergulhos estilizados ensaiarem uma espécie de imitação de golfinho.

Gentes de todo o meu país nelas se baptizavam, esgrimindo sotaques, soltando a criança dos corpos maduros, expulsando as agruras de se ser crescido.

Detive-me num casal que parecia flutuar ao encontro das águas. Os seus passos não eram humanos, tamanha a sua leveza. Os corpos enlaçados pelas mãos, caminhavam em silêncio, sem pressa.

Desprendia-se deles um encanto indizível enquanto se acercavam das águas. Com deferência e temor nelas entraram, mansamente, como se de um acto divino se tratasse e ali ficaram parados, numa espécie de prece.

Sempre em silêncio, acariciaram-nas de mansinho e beijaram-nas com o olhar, como se fizessem amor.

Só eles estavam conscientes que tinham entrado noutro reino!


Fernando Barnabé