segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Confissão

- Promete-me que depois não me farás perguntas... eu também não te perguntarei nada. Disse ele, juntando as mãos trémulas e húmidas, numa espécie de prece agonizante e aflita.

Ela olhava-o lívida. Nunca sentira nas suas palavras tamanha sensação de desespero, de furiosa contenção. Maria balbuciou algo incompreensível enquanto sentia uma corrente gelada percorrer-lhe o corpo frio.

- Lembras-te daquela tarde em que o sol se afundava lentamente no mar e tu entre ternuras e afagos me deste a notícia? Ela esboçou um sorriso que mais parecia um esgar…acenou que sim com a cabeça pressentindo algo terrível. Lembrava-se perfeitamente desse fim de tarde.

- Lembro-me de te ouvir dizer: -Trago uma flor dentro de mim Ricardo, a nossa flor…Esse momento foi como uma bala que se estilhaçou no meu peito... gritei àquela imensidão de mar que quase me parecia um deserto, mas tu não me decifraste o grito. Doeu, doeu muito Maria, mas libertaste-me e libertaste o meu segredo, a minha omissão... devo-te isso... Disse ele, agora mais calmo, como se uma súbita paz lhe percoresse as veias e prosseguindo num assomo de coragem: - Essa flor, a flor que trazes no ventre Maria, não fui que a reguei...a minha fonte há muito que esgotou...sequei Maria, sequei...

Ela olhou-o em jeito de súplica ele afastou-se lentamente, cabisbaixo; queria chorar um oceano de lágrimas, mas até essas teimavam em aliviar-lhe a alma.

Fernando Barnabé

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