segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Cântico Negro de José Régio declamado por João Villaret

Cântico Negro de José Régio declamado por João Villaret

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Que não se te queixe a alma


Que não se te queixe a alma.
Morde a vida com os dentes da esperança.
Que se não te escape enquanto ainda respiras,
Enquanto ainda andas, enquanto ainda vês…
Abraça-te e faz contigo uma festa!
Lança o teu maior sorriso ao infortúnio.
Beija cada lágrima, festeja o calor do sol, o cheiro a maresia,
o amor que ainda trazes no coração.
Não tenhas medo do amanhã;
a paz estará contigo no fim da caminhada!

Fernando Barnabé

Zen


Por fim, sentia o destino em todos os passos do caminho.
Agora tudo lhe fazia sentido,
a dor, a angústia, a felicidade, todos os momentos já vividos.
Transformara-se, num ser mais adulto,
com poucas ou nenhumas certezas.
O seu lema e a sua bandeira era nada esperar.
Desejava apenas ver o nascer de um novo dia
e sentir que a água fresca
que o seu corpo procurava todas as manhãs lhe vivificavam a alma.

Fernando Barnabé

A criança e o homem tristes


A criança vivia triste dentro do homem triste...
Foi imposto e prematuro o divórcio…
A criança nunca teve um brinquedo de brincar e o homem nunca brincou com a sua criança.

Zangam-se muito...
a criança quer que o homem aceite a criança que não foi, e, o homem, quer simplesmente matá-la dentro de si.

Um dia a criança morreu…
do homem triste sabe-se que procura em vão resgatar o passado.

Fernando Barnabé

Do desamor


Era assim há muitos anos; dois corpos habitando a mesma casa o mesmo espaço, sem saberem ler-se… dois analfabetos afectivos, procurando desesperadamente que uma entidade salvadora lhes decifrasse o coração.

As almas exigiam-lhes liberdade mas o preço a pagar era a vergonha da separação, a dor dos filhos, os sonhos desfeitos…que preço tão alto a pagar…perguntavam-se. Coragem ou cobardia? Medo? Solidão? "Até que a morte vos separe"? Os pratos da balança mantinham-se em equilíbrio estável denunciando o peso e a inércia dos dias.
Enquanto não encontravam respostas e os filhos cresciam, envelheciam agonizantes…o desamor tinha-os consumido.


Fernando Barnabé

Fala-me da tua alma


Fala-me da tua alma.
Diz-me de que cores se veste
e que melodias a embalam
quando o vento vindo do mar acaricia a onda.

Diz-me se acaso sorri
quando o sol te fervilha nas veias,
ou quando o amor se derrama
pelos cumes e vales do teu corpo moreno.

Diz-me se ela é livre,
ou se espera inquieta que a libertem num dia qualquer.
Diz-me!


Fernando Barnabé

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

José Régio - Cântico Negro


CÂNTICO NEGRO

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços, E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

sábado, 21 de novembro de 2009

Essas mãos não são tuas...


Essas mãos não são tuas… escolheram-te.
Não me perguntes porque o digo,
Eu não saberia responder-te…
Sinto-o apenas…pressinto-o…

Vê como elas são luz e eternizam o saber que transportas!
E os teus dedos!...
vê como se insinuam pela elegância e elevação
desmentindo a falsa fealdade do teu corpo…
São sábias essas mãos…
Deixa-me beijá-las até que os meus lábios se cansem
e adormeçam contigo.

Fernando Barnabé

Lavou-se no mar salgado


Lavou-se no mar salgado
à espera que das sombras que o sal extinguia
ressuscitasse a flor inusitada... semente de sol plantada
desde o seu berço de criança.
E o mar levava para longe as dores pretéritas sarando-lhe as feridas.
Agora via os seus sonhos flutuar nas águas ao som dos silvos das gaivotas.
E foi naquele mar de sublimes lágrimas que afogou as suas
E viu o seu corpo inundar-se de luz!

Fernando Barnabé

Fica até amanhecermos


Fica até amanhecermos,
Deixa-me partilhar contigo o cheiro a maresia,
Eu sei que o sentirás como se amanhã não nascesse p'ra ti um novo dia.

Verás o Sol da minha terra aquecer-te a alma com brandura,
E sei que dele te lembrarás se acaso conheceres a desventura.
Verás as marcas dos nossos passos afundarem-se de mansinho na espuma das águas e ouvirás os silvos das gaivotas madrugadoras e as vozes graves dos pescadores que vão p’ra faina.
Verás os seus barcos partir cheios de esperança…

Já vejo um sorriso assomar aos teus lábios de romã,
Sei que vais ficar…
Tu que és o amanhã…O meu mar, o meu sol, o meu sal, a vida inteira!

Fernando Barnabé