quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Os Desenhos Infantis em Psicologia Clínica



O desenho não é uma ilustração e não serve para medir a inteligência. Ele significa muito mais do que isso; é uma projecção do eu corporal, como tal, pode permitir uma visualização dos conflitos psíquicos e relacionais. O desenho implica um movimento transferencial; é um compromisso entre a realidade interna e a realidade externa da pessoa, entre os processos primários e os secundários.

Uma folha de papel, é, à partida, um espelho, havendo sempre a possibilidade de aí nos projectarmos. Pessoas há, que têm dificuldade em projectar o corpo no desenho, os seus fantasmas e os seus desejos (em regra, os adolescentes e os adultos).

O corpo é eminentemente um esquema que nos fornece coordenadas para o pensamentos e para os afectos, permitindo-nos aceder às representações mentais. A representação mental é pois, função do corpo próprio e toda a representação mental é eminentemente espacial.

Se entre o corpo e o afecto existe uma relação primordial, o desenho é um compromisso entre os nossos fantasmas e as nossas defesas. Assim sendo, é possível aceder à compreensão da realidade interna da pessoa, aos seus desejos e censuras.

As crianças até aos dez anos desenham fundamentalmente figuras humanas, imagens corporais habitadas por fantasmas e desejos. O desenho representa a projecção do Eu Corporal, casas, carros, são formas do corpo metamorfosear-se. É claro que a análise dos desenhos infantis é sempre subjectiva, tal como é único o perfil do psicólogo; no entanto, existem sempre características fundamentais nos desenhos que em norma são interpretadas do mesmo modo; por exemplo, uma árvore sem raízes poderá indicar insegurança, mas se for desenhada com frutos pode dar-nos algumas indicações sobre o investimento da criança relativamente a um ou aos dois progenitores; uma casa dividida pela cor pode representar um indício de alguma problemática entre os pais, etc.

As crianças pequenas começam por fazer rabiscos, garatujas. Quando há conflitualidade a criança risca com grande intensidade ou então desenha sem qualquer pressão, o que pode indicar uma provável inibição e uma falta de expansão do Eu.

Um aspecto a considerar também, é o modo de progressão do desenho; em regra ele faz-se no sentido da verticalidade. A criança adquire a noção do eixo (alto-baixo) e é quando a criança domina o seu espaço interno que começa a horizontalidade.

Paulatinamente a criança adquire um maior controlo motor e convergência visual e começará a desenhar círculos (um dentro e outro fora) representando a diferença entre o Eu e o não Eu. À medida em que acede à possibilidade do espaço de visão da mãe, sem que haja angústia de separação, “autonomiza-se”, criando agora círculos com pernas e posteriormente com braços, o que implica já maior maturação. Mais tarde desenhará de perfil e criará uma identidade própria e vai reconhecer-se ao espelho (quando tal não acontece é porque existem problemáticas graves ao nível da identidade). Na psicose, por exemplo, pode haver dificuldade em desenhar um círculo fechado.

Ter uma identidade, é ter um nome, é ter um rosto e é ter um sexo. O processo de identificação implica uma relação triangular; quando a criança ultrapassa melhor ou pior o Complexo de Édipo, tal, pode ser constatado no desenho através da sua profundidade, por exemplo, a inclusão de determinados elementos – o Sol, as nuvens, os campos, etc.

Quando há um espaço bidimensional e o dentro e o fora coexistem, uma casa, por exemplo, em que o interior é perfeitamente visível, tal, já nos dá uma perspectiva de alguma triangulação.

No chamado desenho de inclusão recíproca isto é, quando a criança desenha um personagem dentro de outro personagem (como nas bonecas russas), o que está dentro representa o mesmo que está fora; aqui, a criança ainda não vive no signo do materno, expressa alguma autonomização, mas também, uma grande necessidade da progenitora.

No desenho tridimensional é possível aceder ao processo de triangulação e ao investimento que a criança coloca nos progenitores. Em regra o Sol simboliza o paterno, uma casa simbolizará o materno.

Quando a criança não apresenta no desenho a tridimensionalidade, reduz as diferenças ao idêntico, tende a desenhar em simetria, e então, todas as árvores serão iguais, bem como as casas e as flores. Em regra estas crianças costumam fazer alergias.

As crianças com dificuldades em desenhar, que não gostam de brincar, que são muito agressivas, evoluíram num quadro de falso self, têm dificuldade em projectar-se através do corpo. Esta dificuldade em desenhar implica que a vida interna do sujeito é pobre e pouco subjectiva. É muito frequente os adolescentes traçarem figuras corporais tipo palito, simulando ou dissimulando, o que pode indicar dificuldades de expressão subjectiva.

Finalmente, na psicose, existe um excesso de vida fantasmática (implica o delírio) em que a imagem do corpo é fragmentada e os personagens, normalmente dissociados na folha, podem surgir suspensos no espaço aéreo (linha psicótica). Há confusão entre o dentro e o fora e, como não existe noção de limite, também não há possibilidade de estabilidade entre o dentro e o fora e um rosto próprio que indique permanência.

Fernando Barnabé

6 comentários:

  1. Muito interessante. Admiro a tua paixao por aquilo que fazes. Poucos tem essa felicidade.

    Abracos

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  2. Ola Fernando,

    Ha uns 5 anos atras, os desenhos feitos na escola, pela minha filha foram analisados por um especialista.
    Para mim nao passavam de desenhos normais, de casas, predios, janelas fechadas, bonecos e bonecas, mas afinal tinham outro significado, nada como um pessoa experiente para saber interpretar :-)

    Beijo

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  3. Olá Francisco!

    Na verdade gosto muito da minha profissão (missão). Como sabes foi já um pouco "tarde" que percebi que era este o meu caminho...mas todo o percurso até cá chegar foi e tem sido muito gratificante.

    Grande abraço!

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  4. Olá Dreams,

    Na verdade há sempre um significado oculto por detrás do que nos parece evidente...no caso do desenho e de alguns testes projectivos o técnico, em regra um psicólogo, tem que saber descodificá-lo a fim de compreender a estrutura psicológica da pessoa. É uma temática fascinante!

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  5. muito bom , eu encontrei a resposta pra identificar os desenhos que as crianças fazem que geralmente tem um sol.

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  6. minha filha tem 4 anos, elas desenha uma casa bem grande, telhado pequeno, um janela e uma porta bem pequena, desproporcional a casa, uma arvore sem raizes, mas cheia de fruto, desenhado em duas fileiras, um bem em cima do outro, e um sol a esquerda da casa, o que significa?

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