terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A anamnese


No seguimento do post referente à avaliação psicológica, queria falar-lhes sobre o conceito de anamnese em Psicologia Clínica. A anamnese significa – retorno ao passado e supõe uma teoria da reminiscência,(vários níveis de memória) da etiologia (causa)da perturbação e uma teoria da técnica de entrevista.

Podemos considerar a existência de três tipos fundamentais de anamnese - médico, psicanalítico e psicológico.

A anamnese de tipo médico é feita em bases simples e supõe que o paciente apresenta em memória acontecimentos importantes que vai progressivamente transmitindo; há aqui um procedimento que obedece a termos cronológicos e temáticos. Em regra pode existir um questionário prévio estabelecido e as causas da doença têm uma causalidade linear, isto quer dizer, que para qualquer sintoma existem antecedentes que necessitam de ser procurados. Existe portanto uma causa e um efeito e a entrevista toma a forma de um interrogatório que obedece a um plano pré estabelecido. É pois uma anamnese em que supõe-se que o paciente conhece todos os acontecimentos relevantes da sua existência.

A anamnese de tipo psicanalítico funciona em moldes completamente diferentes. A pessoa funciona por associação livre e não por interrogações formuladas. Um psicanalista clássico consegue apreender e intuir o passado da pessoa através da relação que com ela estabelece. Digamos que, um bom psicanalista, trabalha não numa causalidade linear mas numa causalidade circular.

Coloquemos este exemplo – um sujeito encontra-se em análise porque o pai morreu quando este tinha 12-13 anos. Este acontecimento, desejado no passado pelo paciente, irá colocá-lo perante um grande conflito. Ele poderá questionar-se: “Será que tenho a culpa da morte do meu pai?” Ele pode ter a sensação que o pai o abandonou, quando fala da sua infância à luz deste sentimento. Provavelmente este sujeito vai focalizar todos os acontecimentos da infância como abandonos, quando não foi isso que aconteceu de facto. É a este processo que chamamos causalidade circular, isto é, no universo psiquíco há uma causalidade circular mas não linear.

Numa psicanálise, não nos cingimos ao simples retorno do que foi recalcado nem apenas e só à construção de algo que faz parte do passado. O processo envolve uma reconstituição e uma construção que será tanto mais eficaz, quanto melhor for a relação com o psicanalista.

A anamnese em Psicologia, partilha um pouco dos métodos da medicina e da psicanálise. O psicólogo interessa-se pelas fases do desenvolvimento, mas também privilegia a causalidade circular. As entrevistas são semi directivas. O importante aqui, são os acontecimentos exteriores e a forma como foram vividos interiormente; o que importa na realidade, é aceder ao modo como a pessoa elaborou na fase adulta esses acontecimentos.

A anamnese supõe também uma teoria da reminiscência. O inconsciente possui representações que surgem à consciência nomeadamente através dos sonhos, dos actos falhados, dos sintomas. Nesta perspectiva, a teoria da reminiscência supõe que existem vários níveis de memória no inconsciente e que, na vida infantil mais precoce, os acontecimentos que vão construir o aparelho psíquico são constituídos por impressões que por sua vez criam traços reveladores de uma certa estrutura psíquica.

É também relevante aceder aos sonhos e à forma como os mecanismos de defesa foram erigidos; da sua análise podemos distinguir diferentes patologias. Na histeria, podemos constatar que há uma dissociação (separação do afecto da representação) os acontecimentos traumáticos são tratados como se não tivessem acontecido (amnésia lacunar). Na neurose obsessiva, o sintoma surge como uma fobia ou como uma compulsão. Na psicose, por exemplo, já são utilizados mecanismos de defesa mais primários, como a negação, a projecção ou a clivagem.

Num próximo post e dando continuidade à temática da avaliação psicológica, irei falar-vos da importância de alguns testes utilizados na prática clínica.

Fernando Barnabé

3 comentários:

  1. É fascinante saber estas coisas, objectivamente, e não ser obrigado a entendê-las por necessidade.

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  2. Tens toda a razão...o estudo da mente humana é realmente fascinante e o modo como manejamos os instrumentos que temos à nossa disposição para que a ela tenhamos acesso constitui um desafio permamente.

    Abraço!

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